Pages

LIMOEIRO

Ali de cima eu via o mundo.

Meu limoeiro não era alto, mas ocupava um canto estratégico no quintal de casa. Construí passagens por entre seus galhos, entre seus espinhos, que me conduziam à sua copa numa espécie de plataforma sobre a qual me deleitava pensando tardes a fio.

Sempre acreditei que nas copas das árvores habitassem pássaros que jamais seriam vistos, cujo canto nos possui na imensidão da mente. De certa forma, eu queria ser um deles.

Engraçado que os quintais das casas que morei sempre foram preenchidos por santuários mágicos. Meu limoeiro sem espinhos foi um destes. Quando digo sem espinhos, estou sendo bondoso com sua fúria antes que eu conseguisse penetrar-lhe os íntimos. Muitos riscos na minha pele, muitas gotas de sangue derramei para desbravar seus galhos e obter meu observatório na sua copa. Desde então percebi que nada se conquista sem esforço e algumas cicatrizes.

- Desce daí, menino! Senão vai se arrebentar no chão!

- Já vou, mãe, já vou.

Nunca a obedeci. Desde então, habito a copa do meu limoeiro e é de cima dele que lanço meu olhar sobre o mundo para descobrir até onde vai o horizonte. Vez ou outra penso ter encontrado, mas sou surpreendido por mim mesmo buscando quem fui na ventania do tempo.

Depois da turbulência, fixo o olhar no poente e passam por mim, como pássaros, todos os instantes dos quais não me lembro.

Como que recobrando os sentidos, tento segurar novamente nos galhos. Sinto uma pontada dolorida e lá se foi mais um espinho.

* quadro de Gordon Haas, The Lemon Tree

Unknown

17 comentários:

Teia de Textos disse...

Muito lindo! Mais palavras comprometeria a beleza das sensações que o texto me provocaram! =]

Isaac Marinho disse...

Dá gosto de ler... =)

Cada qual com seu "limoeiro", todos sempre recorremos aos nossos locais de refúgio, ainda que fisicamente não estejam ao nosso alcance.

Tenha uma ótima semana! =)

Em@ disse...

Parabéns, Emerson. Adorei ler este revisitar o passdo, na "pessoa" do seu limoeiro.
Boa noite!
:)

Vampira Dea disse...

Estar a copa de uma árvore é uma forma de sentir-se pássaro.
Agora imagino que vc era bem miudinho, na época ao qual vc retorna nestas palavras...é tudo simples e lindo.Parabéns.

Laura disse...

Muito legal MESMO! ADOREI!

isabel maria disse...

Que pena não ter tido um limoeiro!
Mas sou mais um pássaro que vês do teu limoeiro.
Simplesmente magnífico!
Parabéns!!!

Sandra C. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sandra C. disse...

Lembrança etérea com jeito de mato!
Ter tido uma arvore é como em algo puro ter sido enraizado...
Essa singularidade de sentir, essa raridade fragmentada em outrora pequeno existir, faz-nos parte terra, parte verde, parte gente, e nem sempre se sabe qual maior parte presente se sente... Saiba que tendo sido parte dele (limoeiro), parte tua ele sempre será, parte tua que a natureza não rejeita, antes, nela se guarda e deleita!
Cheiro bom tem teu texto!
Abraços no coração

Sentimentalidades-Todas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sentimentalidades-Todas disse...

A mágica está em se permitir ve-la no inusitado. No espinho, no limão ou no fundo da memória.
...E fui tragada pelas minhas lembranças de infância, que é uma das melhores partes de mim.

Oh lugar agradável você tem aqui, moço! Bonito de se ler e ver.

Abraços

Ana Marques disse...

Todos procuramos quem fomos, a verdade que escondemos de nós.

O que esquecemos e era tão importante?

Mas esquecemos mesmo assim...
e buscamos.

Tem alguma verdade ali - você, no alto do limoeiro, eu, no alto do muro que caí - que vai nos contar boas histórias.

Adorei! beijo!

Teia de Textos disse...

Engraçadinho!!! Quanto ao seu comentário no meu blog, posso dizer que sempre é uma tentadora possibilidade, mas tenho livros a traduzir e obras a estudar.
Mas, amei os dois aliens que compartilharam meu corpo e abduziram minha alma! =]

Felipe disse...

Interessante como o limoeiro sempre nos remete à infância e ao quanto temos a aprender. Eu acredito que falar dos grandes desafios e conquistas que possamos vir a atingir na nossa maturidade nunca vai ser mais emocionante que narrar aquela escalada ao limoeiro quando tínhamos dez anos.
Gostei muito do seu trabalho, vou passar a acompanhar.

abraços

Dos Sonhos disse...

Você é um pássaro.

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

...traigo
sangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...


desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ


TE SIGO TU BLOG




CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...


AFECTUOSAMENTE
EMERSON

ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE BLADE RUUNER ,CHOCOLATE, EL NAZARENO- LOVE STORY,- Y- CABALLO, .

José
ramón...

Sônia disse...

Seu texto me fez lembrar a canção do Roberto:
Meu pequeno Cachoeiro, vivo só pensando em ti...ai que saudade dessas terras...entre
as serras, doce terra onde eu nasci.
Dá até vontade de chorar.

Um abraço Emerson!

Cheia de Graça disse...

Lindo texto... Uma viagem leve e gostosa.

Instagram